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Sexta Outubro 11 23:24:19 CEST 2013


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Resumo do tópico de hoje
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  - Enc: Homenagem do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu a Gabriela Leite [1 atualização]
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Tópico: Enc: Homenagem do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu a Gabriela Leite
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De: Tiago Duque <duque_hua em yahoo.com.br>
Data: Oct 11 11:44AM -0700
URL: http://groups.google.com/group/eurecacampinas/msg/385fb187085cd464

Pra quem conheceu Gabriela, sabe o que perdemos. Perdemos muito.
Os direitos das putas desse país perdeu muito. Que o que ficou floresça rapidinho, pra que os direitos humanos sejam de tod em s.
Beijos tristes.
Tiago Duque

----- Mensagem encaminhada -----
De: Pagu <pagu em unicamp.br>
Para: 
Enviadas: Sexta-feira, 11 de Outubro de 2013 15:30
Assunto: Homenagem do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu a Gabriela Leite
 









(as fotos são de nossa última atividade com Gabriela Leite no Pagu - Cine Pagu, 20/06/2013)


Nossa homenagem a Gabriela Leite, por José Miguel Nieto Olivar

A gente chora o abandono da estrela guia. Daquela que fez no seu
        corpo o motor cósmico dos desejos e das lutas, de quem teve o
        talento, a luz, a força, a coragem e a oportunidade de botar o
        nome pra frente e dizer: sim senhor, sou eu, é comigo. Poucas
        estrelas guia de tanta força e tanto sonho a gente tem a
        oportunidade de conhecer na vida. A gente teve a sorte do seu
        carinho, da sua presença. Chora as tristezas dos afetos, sim,
        mas choramos também a nossa própria tontura. E agora?- pensamos.
        E agora, que morreu a quem eu aplaudia e em cujas palavras eu
        delirava nas preciosas derivas noctívagas... E agora?
 
Susan Sontag não gostava de metáforas. Mas Gabi não gostava da
        Sontag, ela gostava dos maluquinhos franceses com quem deve
        começar daqui a pouco uma farra imemorial de gente sem-órgãos
        nem territórios. "Foda-se a Sontag", dirá ela. A morte da Gabi,
        a forma e tempo da sua doença, não são apenas o enlouquecer da
        biologia. Ela participou ativa e corporalmente da construção de
        um mundo que existiu e que nos últimos anos começou a ser
        sistematicamente desmontado. Ela, aguda e certeira caçadora, viu
        esse mundo desabar e não parou de encarar e arranhar; nós vimos
        seu adoecer na tristeza, seu desespero, enquanto o tal desse
        mundo não parava de doer na garganta e de ocupar seus pulmões. 
 
A Gabi morreu. Imensa como foi. Morreu na cama de um hospital da
        rede pública, rodeada de muito amor. Um hospital emblemático,
        importantíssimo, parte desse universo de direitos que ela ajudou
        a gestar. Morreu depois de uma cruenta luta. Viveu na flor de
        uma luta intestinal. Como contra muitos podres do mundo, ela
        lutou brava e inteligentemente; lutou sem preguiça alguma, com a
        certeza da necessidade da luta e com um prazer enorme no
        fazer-se exemplar guerreira. Viveu, batalhou e morreu
        acompanhada pelas suas pessoas mais cúmplices e queridas, e seu
        universal Flávio. Lutou desde antes de que a luta fosse luta, e
        sua morte nada mais é que a consistência preciosa das garras
        afiadas. E lutou tanto, contra o câncer e tantas outras coisas,
        e lutou com tanta fereza, que levou sua vida para mais longe e
        para mais alto do que os cálculos da razão e da prudência teriam
        imaginado. E perdeu batalhas e ganhou o mundo para ela. E para
        nós.
 
Nós. Esse nós sem mais nome que o sabê-lo dizer. Nós, putas, que
        choramos e agradecemos. Quando um fogo atravessa o céu, o mundo
        treme e agradece a sua presença. Quando um sol brilha na tarde
        janela do seu quarto, você se ajoelha e o bebe; celebra-o,
        compartilha e acaricia longamente para que ele volte a brilhar.
        Mas há um dia, quando você vira a cabeça, ou quando o vidro
        quebra no seu nariz, em que você entende que o sol deve ser
        você; que não terá mais janela aberta esperando a nuvem passar
        nem moleque deitado nas tábuas esperando o calorzinho bom. Um
        dia sua pele deve ser aquela que brilhou na tarde escura da mãe.
        E eis a noite em que você chora. Chora da tristeza da amiga,
        mãe, avô, puta, esposa, política, intelectual e amante morta.
        Chora de medo pelo agora drummondiano que o José sem festa se
        pergunta. E então faz a festa, porque chorar não adianta,
        babaca, diria a Gabi Amada de cravo e canela.
 
Uma hora antes da sua morte acariciei-lhe a pele, beijei sua
        fronte, agradeci a vida que teve, a beleza e contundência, a
        coragem e o tesão que nos ensinou. Ninguém como tu, Gabi, eu
        disse. Falei do amor que por ela sentimos. Fica tranquila,
        fizeste o mundo girar em órbita outra. Ela ouvia, tortuosamente
        respirava, e um leve maremoto borbulhou entre seus dedos e os
        meus. Afinal, uma inundação no olho que jamais fechou. 
 
E agora? O que eu devo fazer com a memória dessa mulher outrora
        incêndio de verão, ressaca da primavera, e ontem, ontem à tarde,
        pedacinho frágil de osso, pele e mel, prosaica morte? Agora és
        rizoma puro, Gabi, puro samba no pé, puro fluxo desejante, como
        diriam teus mais novos amantes; agora somos nós que devemos
        fazer. Tu, descansa.




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