[Macronoroeste-campinas] As ruas fazem soar alarme para o PT e o governo

PONTOS SP - Robson Sampaio reductio.ad.ethos em gmail.com
Quarta Junho 19 01:06:26 CEST 2013


    As ruas fazem soar alarme para o PT e o governo

    Breno Altman

    Um fantasma ronda o mundo petista. O da perplexidade. Apesar das
importantes conquistas dos últimos dez anos e das pesquisas eleitorais
favoráveis, a onda de protestos abala o principal partido da esquerda
brasileira e aproxima-se do governo federal. Com o prefeito de São Paulo na
berlinda e multidões de jovens nas ruas, tudo o que era sólido parece se
desmanchar no ar.
    Muitos se perguntam o porquê de tanta ira depois de uma década na qual
a pobreza diminuiu, a renda foi melhor distribuída e chegou-se praticamente
ao pleno emprego. É verdade que as manifestações estão gravitando, por ora,
ao redor de uma agenda local. A revolta juvenil exige principalmente
menores tarifas de transporte e direito de manifestação, contrapondo-se à
violência das polícias estaduais. Somente um autista político, no entanto,
deixaria de perceber que uma nova situação se instaurou no país.
    Alguns petistas, estarrecidos, não hesitaram em vislumbrar, balançando
o berço dos protestos, a mão peluda da direita, arrastando junto os
infantes da ultraesquerda. Mas a narrativa conspiratória não resistiu aos
fatos. Os centros de poder do conservadorismo – especialmente os veículos
tradicionais de comunicação e o governo paulista – desencadearam reação
feroz contra a mobilização, que desaguou na repressão implacável da última
quinta-feira.
    A truculência policial serviu de condimento para a escalada de
protestos e sua nacionalização. A defesa de um direito democrático
fundamental, diante da qual vacilaram, nos primeiros momentos, tanto o
ministro da Justiça quanto o prefeito paulistano, foi assumida com energia
e radicalidade pela juventude das grandes metrópoles. Partidos e governos
da direita foram os responsáveis pela escalada repressiva, mas tiveram a
seu favor a tibieza de setores da esquerda surpreendidos com fenômenos
alheios a suas planilhas.
    Parte do estado-maior reacionário refez suas contas, emparelhando
discurso para disputar a rebelião e voltá-la contra o governo federal,
provisoriamente arquivando a opção da violência. Até o momento, colheram um
rotundo fracasso. Não apenas as manifestações e lideranças resistiram a
abraçar suas bandeiras como foram frequentes cartazes e palavras de ordem
contra o governador Alckmin e a própria imprensa, especialmente a Rede
Globo.
    Mesmo os alvos escolhidos pelos segmentos mais radicalizados – o
Palácio dos Bandeirantes em São Paulo, a Assembléia Legislativa no Rio, o
Congresso Nacional em Brasília – demonstram que os jovens não estão nas
ruas a serviço da restauração antipetista. Tampouco parecem se sentir
representados e incluídos, porém, no processo impulsionado a partir da
vitória de Lula em 2002.
    A imensa maioria dos manifestantes tinha abaixo de 25 anos, formada por
filhos das camadas médias e também dos bairros periféricos. A julgar por
suas palavras de ordem, cartazes e bandeiras, não estão contra as reformas
empreendidas desde 2003. Mas querem mais, melhor e rápido.
    Ninguém levantou a voz para criticar o bolsa-família, o crédito
consignado ou o Prouni. Nenhuma faixa foi erguida para defender
privatizações e outras políticas favoráveis aos interesses de mercado.
Poucos eram os manifestantes que carregavam cartolinas contra o “mensalão”
e a corrupção. A luta é pela ampliação de direitos políticos e sociais,
demanda encarnada pela exigência de barateamento do transporte público.
    Mas cansaram de esperar que estes avanços sejam patrocinados por
governos e partidos, mesmo os de esquerda. Não parecem satisfeitos com a
timidez e a lentidão para realizar novas reformas, mais audazes, que
acelerem a melhoria de suas condições de vida. E resolveram, como ocorre em
determinados momentos históricos, tomar a construção do futuro em suas
próprias mãos.
    A rejeição à presença de bandeiras partidárias pode ser analisada pela
ótica corriqueira, como rechaço a instrumentos de organização coletiva ou
despolitização. Mas também caberia ser compreendida, ao lado de outros
ingredientes, como simbolismo de quem, avesso às correntes conservadoras ou
ao aparelhismo de pequenos grupos, não se sente cativado ou vocalizado no
projeto liderado pelo PT.
    Provavelmente não se trata apenas de uma questão econômico-social, mas
igualmente política. Uma parte da sociedade, mesmo com inclinação
progressista, dá sinais de fadiga com a estratégia de mudanças sem
rupturas. Há crescente mal-estar com uma equação de governabilidade que
preserva as velhas instituições, depende de alianças com fatias da própria
oligarquia para formar maioria parlamentar, abdica da disputa de valores e
renuncia à mobilização social como método de pressão.
    Antes esse cansaço se restringia a pequenos círculos de militantes mais
enfezados. Afinal, muito pode ser feito mesmo sem reformas estruturais, a
partir da reorientação do orçamento nacional, integrando dezenas de milhões
à cidadania e ampliando conquistas sociais. O fato é que esse cenário pode
ter atingido seu teto. E as ruas começam a gritar.
    O movimento não é contra o PT, mas coloca a estratégia do partido e do
governo em xeque. Há uma exigência de protagonismo popular e juvenil,
explicitada nos últimos dias. A direção partidária e o Palácio do Planalto
estão dispostos a considerar essa mobilização um fator de poder e refazer
suas conexões com estes movimentos, impulsionando sua ascensão para
construir forças rumo a uma nova geração de reformas?
    Esta e outras perguntas estão embutidas no alarme que a revolta do
vinagre fez soar. Diante do clamor, o petismo pode retificar sua estratégia
e repactuar com a rebelião das ruas para aprofundar e acelerar reformas de
base. Ou pagar o preço próprio das situações onde a esquerda e as ruas se
divorciam.

    Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da
revista Samuel.
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