[Macronoroeste-campinas] Reflexão

francisca francilete da silva francylete em yahoo.com.br
Segunda Novembro 9 15:36:00 CET 2009


Companheiros recebi este testo de umas das professoras da universiade em que curso ciências sociais, gostaria de compartilhar com vocês.
Respeitosamente...
Francisca
Meus queridos /as,
Como socióloga, docente, trabalhadora e mulher não poderia me
isentar de comentar os acontecimentos recentes no ABC, envolvendo uma
jovem, de 20 anos, em uma instituição de ensino privado.
As imagens estão no YouTube e foram largamente transmitidas pela
televisão nos últimos dias. As cenas são deprimentes. O desenrolar dos
acontecimentos também, conforme podemos constatar a seguir.
Neste final de semana, aqueles que tiveram acesso à imprensa
constataram que a referida universidade adotou a medida de expulsar a
estudante Geisy Arruda, foco da violência ocorrida cerca de quinze dias
atrás. 
Como parte das resoluções punitivas, a instituição de ensino decidiu
pela suspensão temporária de alguns estudantes assim como pela
advertência aos funcionários envolvidos no “tumultoâ€.
Não cairei na armadilha de limitar minhas considerações ao debate
sobre os diferentes pesos adotados pelas medidas punitivas, que são
evidentes. Um debate neste campo inevitavelmente se limitaria ao
terreno sobre a maior ou menor culpabilidade dos envolvidos. Creio que
encaminhada desta forma, a discussão se restringiria ao terreno das
aparências, deixando de lado a essência não somente do episódio do dia
22 de outubro, mas de seus desdobramentos.
Este texto, entretanto, não pretende dar conta da complexidade do
episódio, mas situá-lo em outros patamares. O primeiro deles e
fundamental, diz respeito à questão da tolerância, do respeito à
diferença, da alteridade, dos valores humanos. O episódio também nos
transporta para outros caminhos, o da reflexão sobre o papel da
educação e da universidade no contexto das relações sociais vigentes.
Por último, leva-nos também a uma outra reflexão, articulada às duas
primeiras, a do risco dos julgamentos sumários, tão clamados pelos
indivíduos quando postos diante de situações limite. Feitas estas
considerações, vamos às reflexões.
Em sua resolução, parcialmente divulgada pela imprensa, a
instituição afirma que os cerca de 600 estudantes que participaram
desta verdadeira cena de horrores assim agiram reagindo coletivamente
em “defesa do ambiente escolarâ€. Leia-se na expressão “ambiente
escolarâ€, certa concepção de moralidade, marcada pelos valores da
intolerância, da ausência de respeito ao outro, e da hipocrisia típica
da sociedade em que vivemos.
Nas cenas expostas pelo vídeo o coro “puta!â€, “puta!â€, dirigido à
estudante, pode ser escutado com clareza. A motivação aparente para a
ação de um grande grupo de estudantes em relação à garota, seria,
supostamente, o uso de uma mini-saia e sua atitude “exibicionistaâ€.
Lamentavelmente, a explicação dada para o episódio foi reiterada
posteriormente pela instituição, que qualificou o comportamento da
estudante como “atitude de querer aparecerâ€.
Cabe aqui pararmos para uma primeira reflexão. Parte dos que
supostamente clamavam contra o “exibicionismo†da estudante, não
titubearam em, de posse de seus celulares, filmar o triste espetáculo
em curso para posteriormente exibi-lo como trunfo. Um triste trunfo,
diga-se de passagem, que, espera-se sirva ao menos, passado o calor dos
acontecimentos, como registro individual de participação em um episódio
lamentável, cujo conteúdo nos remete invariavelmente às manifestações
de machismo presentes na sociedade; à reflexão sobre o direito
inalienável, de cada um, sobre seu corpo; à tolerância ao diferente, ao
diverso. A violência sofrida pela estudante pode, porque não, ser
facilmente reproduzida aos estudantes homossexuais, negros, mulçumanos,
evangélicos etc. Afinal, onde reina a intolerância, todas as suas
formas de manifestação são possíveis.
Por outro lado, seria um grande equívoco circunscrevermos as
atitudes de aberta intolerância àqueles jovens envolvidos no episódio
do último 22 de outubro. Estes expressam um fenômeno crescente em nossa
sociedade. O episódio de cerca de quinze dias atrás nos obriga a
lembrar do índio incendiado em Brasília; da empregada doméstica
espancada no Rio de Janeiro sob a alegação de “parecer uma prostitutaâ€;
dos milhares de jovens da periferia das grandes cidades estigmatizados
como “marginaisâ€; dos ataques recorrentes aos homossexuais; dos
inúmeros episódios de preconceito religioso, racial e étnico; da
crescente cultura que associa juventude à beleza produtividade e, de
forma articulada, a velhice à decadência e improdutividade, relegando
toda uma camada de trabalhadores ao ostracismo, ao desemprego, ao
subemprego e, ao preconceito de serem “vagabundosâ€, conforme tantos
reproduzem em suas falas.
Os acontecimentos do mês passado assim como seus desdobramentos
chocam alguns e chamam a atenção de tantos outros porque dizem um pouco
sobre quem somos. Constituem, em suas diferentes dimensões, o retrato
chocante e acentuado de nossa sociedade. Expressam a crescente
espetacularização da vida e de seu ritmo alucinante ditado pela lógica
concorrencial do mercado. Refletem, neste marco, a crescente
mercantilização do ensino, vivenciada como nunca desde os anos 1990.
Levam-nos a pensar que quanto mais o espaço escolar se converte em
lugar da busca pela formação instrumental, destituída da reflexão,
destinada única e exclusivamente a satisfazer as necessidades do
mercado, perde-se a dimensão humana. A escola, que deveria ser, ao
largo do perfil mercantilizado que vem sendo aprofundado a cada ano, o
espaço privilegiado da reflexão e de compartilhamento da herança
histórica da práxis humana, perde, de vez, sua razão de ser, abrindo
espaço para ser, por excelência, o local da reprodução de valores
alheios às necessidades humanas, da violência presente em nossa
sociedade e não da sua contestação.
Por último, os acontecimentos nos levam também a refletir sobre as
implicações dos julgamentos sumários, sejam estes institucionalizados
ou no âmbito do senso comum. Na medida em que as contradições sociais
se acirram, e estas tendem a se acirrar diante do aumento da miséria,
crescem as pressões para que tudo seja resolvido rapidamente,
geralmente, com a repressão e punição. 
Uma forma de vida social incapaz de satisfazer necessidades humanas
básicas tende, por meio de suas instituições ou pelas ações isoladas de
seus membros, a criminalizar toda e qualquer ação que a torne instável.
Os exemplos são diversos. Para resolver o problema da criminalidade,
mais cadeias, redução da maioridade penal, licença para que a polícia
adote como forma privilegiada de atuação a execução pura e simples... O
espaço democrático, reflexivo, já tão limitado, torna-se ainda mais
restrito em nome da urgência da “resolução dos problemasâ€.
Os que lêem este texto devem neste momento estar se perguntando: mas
o que isso tem a ver com os acontecimentos recentes que envolveram
aqueles estudantes? Responderia que tudo. O episódio, ao ser
espetacularizado, movimentou os clamores pelo “certo†e “errado†e,
consequentemente, pelos julgamentos precipitados. 
Não há dúvidas, conforme vocês puderam acompanhar até aqui que o
posicionamento assumido por este texto é o de que a atitude dos
estudantes na segunda quinzena do mês de outubro é inaceitável. Mas
tampouco as resoluções da instituição de ensino e a tomada de posição
de tantos movida pelo calor dos acontecimentos dão conta da reflexão
que o fenômeno merece.
Buscando “resolver o problemaâ€, cuja projeção negativa deve estar
queimando as pestanas de seus dirigentes, rapidamente a universidade
anunciou suas medidas punitivas. Entretanto, o problema não foi
resolvido e tampouco as tais medidas dão conta de resolvê-lo. Não foi
resolvido pelo equívoco do conteúdo das medidas, reforçadoras do senso
comum, do machismo e da intolerância. Não foi resolvido porque longe de
dar conta do problema, o julgamento sumário apenas visa,
invariavelmente, escamotear o debate sobre os acontecimentos. 
Por sorte, a ação da universidade não é consensual. Entre os
estudantes e professores da instituição começam a aparecer vozes que
destoam do senso comum. Estas vozes também se fazem presentes por
outros cantos, indicando que neste mar de intolerância ao qual nos
vemos submetidos, ainda existem aqueles que preferem, longe da ação
sumária do julgamento, utilizá-lo como fonte de reflexão necessária que
nos auxilie a entender não somente que sociedade é esta e o que
queremos com a educação, mas buscarmos caminhos que nos possibilitem
sua superação.
Abraços,
Luci



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